[weglot_switcher]

Banco de Portugal reúne especialistas para debater os 80 anos dos acordos de Bretton Woods

“Nenhuma das nossas vidas teria sido o que é, se o FMI ou o Banco Mundial não tivessem sido criados, se o multilateralismo não fosse um termo significativo”, defendeu a administração do Banco de Portugal.
8 Maio 2024, 19h58

Decorreu em Lisboa, durante dois dias (6 e 7 de maio), uma conferência subordinada ao tema “80 Years after Bretton Woods: Relaunching Multilateralism through Regional Monetary Unions”, ou, 80 anos depois de Bretton Woods: Relançar o Multilateralismo através de Uniões Monetárias Regionais?”.

A Academia das Ciências de Lisboa, o Banco de Portugal e a Associação Internacional Robert Triffin, com o apoio do Fonds Gutt (Université Libre de Bruxelles) e do Centro Studi sul Federalismo, foram os anfitriões da conferência.

Os acordos de Bretton Woods foram propostas definidas por Estados Unidos, Canadá, países da Europa Ocidental e Austrália, entre outros 44 países, realizados entre 1 e 22 de julho de 1944, que deu origem às regras para o sistema monetário internacional.

No encontro, os participantes aprovaram dois estatutos, um para a operação do FMI e outro do Banco Mundial.

A abrir a conferência esteve Luís Máximo dos Santos, Vice-Governador do Banco de Portugal, que destacou que o economista Robert Triffin identificou uma contradição intransponível no sistema de Bretton Woods. É que para assegurar o fornecimento adequado de dólares à economia mundial, necessário à expansão do comércio, os Estados Unidos teriam de registar sucessivos défices da balança de pagamentos.

“Este facto levaria os outros países a acumularem reservas de dólares tão elevadas que, perante um pedido de conversão, haveria dúvidas legítimas quanto à capacidade do Governo dos Estados Unidos para o honrar. O simples aparecimento dessa dúvida acabaria por pôr em causa a componente chave do sistema monetário: a convertibilidade do dólar em ouro. E foi exatamente isso que aconteceu”, destacou Máximo dos Santos.

Para ultrapassar esta contradição, Robert Triffin propôs a criação de um ativo de reserva internacional sob o controlo do Fundo Monetário Internacional. “O seu raciocínio influenciou assim a criação dos direitos de saque especiais pelo FMI em 1969. No entanto, esta iniciativa ficou muito aquém das expectativas de muitos sobre o papel que este ativo poderia desempenhar no sistema monetário internacional. O seu raciocínio foi também muito importante no que respeita aos desafios colocados pela cooperação monetária regional, nomeadamente na Europa”, disse o Vice-Governador.

Luís Máximo dos Santos sublinhou que “a ordem internacional de Bretton Woods contribuiu, sem dúvida, para os Gloriosos Trinta Anos de crescimento económico e de estabilidade monetária e cambial, que se estenderam desde o final da Segunda Guerra Mundial até à primeira metade da década de 1970”. Mas, disse, “infelizmente, o período que se seguiu ao fim da Guerra Fria parece não ter revelado tanta sabedoria. Prevaleceu o fracasso das principais instituições internacionais em reformar e a adaptação às novas realidades e intervenientes foi insuficiente. O equilíbrio entre princípios e pragmatismo não parece ter sido tão bem sucedido como em Bretton Woods”.

“Apenas para mencionar os acontecimentos mais importantes, a prosperidade dos povos e dos países foi duramente atingida pela crise financeira global, e hoje vivemos num dos períodos mais instáveis desde o fim da Segunda Guerra Mundial, tanto do ponto de vista geopolítico como geoeconómico”, acrescentou.

Mais do que respostas, Máximo dos Santos deixou perguntas. “Podemos relançar o multilateralismo através de uniões monetárias regionais? A questão é fascinante e está no centro da nossa Conferência”, referiu.

“Será esse caminho possível num momento em que – mais ou menos em todo o lado – se reivindica uma maior soberania para os Estados ou blocos regionais e há uma necessidade de colocar os diferentes interesses nacionais ou regionais à frente de tudo e de todos? Será que nas atuais circunstâncias políticas e económicas a criação de novas uniões monetárias perdeu o seu “impulso”? Ou, pelo contrário, poderá o impulso no sentido da regionalização monetária ser uma resposta eficaz à fragmentação geoeconómica?”.

“No entanto, não podemos esperar que a criação de uniões monetárias noutras geografias seja consensual. Mesmo a criação da União Monetária Europeia não foi consensual, nomeadamente entre os países líderes. De facto, em França, mal passou no referendo de 1992 e na Alemanha o impulso político do chanceler Helmut Kohl foi fundamental, com forte oposição do Bundesbank, por exemplo”, lembrou o vice-Governador.

Máximo dos Santos lembrou que “não podemos esquecer que a história nos mostra que as uniões monetárias que não foram acompanhadas por um elevado grau de integração política dos países integradores entraram em colapso, mais cedo ou mais tarde”.

“Cada período gera as suas próprias contradições. O “Dilema de Triffin” acabou por se concretizar, mas não impediu que o sistema monetário internacional funcionasse de forma bastante razoável durante quase trinta anos”, concluiu.

Clara Raposo: Não somos todos, de alguma forma, filhos de Bretton Woods?

Já Clara Raposo, vice-governadora do Banco de Portugal, considera que “nenhuma das nossas vidas teria sido o que é, se o FMI ou o Banco Mundial não tivessem sido criados, se o multilateralismo não fosse um termo significativo”

“O acordo resultante dessa conferência há quase 80 anos ainda é uma pedra angular do actual sistema monetário e financeiro internacional”, defendeu Clara Raposo que considera que “somos todos, de alguma forma, filhos de Bretton Woods”.

Clara Raposo, referiu que “embora a paridade cambial que era o símbolo do sistema de Bretton Woods tenha sido abandonada em 1973, o FMI e o Banco Mundial continuam a ser pilares do panorama económico internacional, prestando assistência técnica e financeira a muitos países em todo o mundo. Estes são exemplos de cooperação multilateral bem-sucedida que devemos valorizar, especialmente hoje, face a um mundo cada vez mais fragmentado”.

Lembrando que sete alargamentos expandiram a UE de seis países fundadores para os actuais 27 membros, mais nove países candidatos, Clara Raposo defendeu a necessidade de sustentar “políticas de coesão fortes e um processo de decisão ágil neste grande e diferenciado conjunto de países”, o que, admitiu “são desafios diários”.

“A janela de oportunidade política para criar o euro não era ampla. O projeto foi iniciado sem uma arquitetura totalmente concluída e com critérios de adesão um tanto parciais. Como é habitual na UE, o próprio caminho levaria à conclusão do processo”, continuou.

“Quanto ao aprofundamento do processo de integração, o pleno funcionamento do mercado único – com liberdade de circulação de bens, serviços, capitais e cidadãos – e a estreita coordenação e supervisão das políticas macroeconómicas fizeram da UE uma verdadeira união económica”, acrescentou a vice-Governadora.

Os benefícios e os requisitos da UEM (União Económica e Monetária) já foram amplamente discutidos. Do lado dos benefícios está a estabilidade de preços ancorada num banco central independente com um mandato claro, a eliminação do risco cambial entre os membros, a redução dos custos de transação e o maior papel da UE no mercado global. Quanto aos requisitos, a necessidade de minimizar a inflação e os diferenciais de competitividade entre os membros, e a necessidade de prudência fiscal ficaram em primeiro lugar, explicou.

“No entanto, durante este período, começaram a surgir vários desequilíbrios macroeconómicos. A dívida pública e externa de alguns países, entre os quais Portugal, aumentou significativamente, expondo a união monetária a riscos para os quais não estava totalmente preparada – como alguns dos critérios mais comummente definidos para uma área monetária óptima não estavam preenchidos, a capacidade de lidar com choques assimétricos na união monetária era limitada”.

“A crise financeira global expôs estas vulnerabilidades de uma forma dramática. Num primeiro momento, implicou uma resposta forte da política monetária para garantir que a liquidez continuasse a chegar a todos os segmentos do mercado, num período de extrema desconfiança entre os participantes nos mercados financeiros. Também desencadeou uma forte resposta orçamental para minimizar o impacto das dificuldades financeiras na actividade económica”, lembrou Clara Raposo.

Para concluir, a vice-governadora defendeu que “a Europa está agora mais bem preparada e mais unida. Isto oferece um terreno fértil para a continuação dos nossos esforços conjuntos”.

“Acima de tudo, a Paz foi o que nos uniu na Europa, a paz e, de um modo mais geral, o bem-estar dos nossos cidadãos. As lições que aprendemos devem guiar-nos no difícil cenário geopolítico actual”, acrescentou.

Clara Raposo considera que “apesar de existir um forte antagonismo e polarização no mundo de hoje, as instituições de Bretton Woods continuam a ser fundamentais para a abordagem multilateral que deve ser adoptada para alcançar uma solução global para os desafios do nosso tempo”.

Participaram nesta conferência, Bernard Snoy, Chairman da Associação Internacional Robert Triffin;  Jean-Claude Kassi Brou, Governado do, Banque Centrale des États d’ Afrique de l’Ouest; Renato G. Flores Jr. Diretor da Unidade de Inteligência Internacional da Fundação Getulio Vargas; Martin Redrado, Presidente da Fundación Capital; Stephany Griffith-Jones, Vice-Governador do Banco Central do Chile (por vídeo conferencia); José-Antonio Ocampo, Professor da Columbia University (por video conferencia); Luiz Pereira da Silva, antigo Diretor-Geral Adjunto do Bank for International Settlements (por video gravado antes), com moderação de Clara Raposo, Vice-Governadora do Banco de Portugal.

Noutro painel, participaram Manuel Alves da Rocha, Director do Centro de Estudos e Investigação da Universidade Católica de Angola; Hervé Carré, antigo  Director-General do Eurostat; Anoop Singh, antigo Director do Asia & Pacific Department do FMI; e Andrew Sheng, Chief Adviser da China Banking Regulatory Commission (video). O moderador foi António Martins da Cruz, que lidera a seção de Portugal da Liga Europeia para a Cooperação Económica.

Noutra sessão participaram Maria Esperança Mateus Majimeja, Board Member do Banco de Moçambique; Zenaida Cassamá, Diretora Nacional para a Guiné-Bissau do Banque Centrale des États d’ Afrique de l’Ouest; Óscar Évora Santos, Governador do Banco de Cabo Verde; Maria Eugénia Mata, Professora da Nova School of Business and Economics; e Jorge Braga de Macedo,  da Academia das Ciências de Lisboa. A moderação ficou a cargo de Estela Barbot, administradora executiva da REN – Redes Energéticas Nacionais.

Participaram ainda Maria Luís Albuquerque, Member of the Supervisory Boards do Morgan Stanley (por video conferência) e Vítor Gaspar, Diretor do Departamento de Assuntos Fiscais do Fundo Monetário Internacional.

O último painel contou com Fabio Masini, Professor da Roma Tre University e Secretário-Geral da Associação Internacional Robert Triffin; Jorge Braga de Macedo, Tesoureiro da Academia das Ciências de Lisboa; Hung Tran, membro sénior do Centro de Geoeconomia do Conselho do Atlântico; Ousmène Jacques Mandeng, Senior Advisor Global de Blockchain Technology da Accenture; e Marc Uzan, Fundador e Diretor Executivo do Reinventing Bretton Woods Committee.

A moderação coube a António Martins da Costa, Presidente da Câmara de Comércio Americana de Lisboa.

 

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.