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“Gostaria de ter feito muito mais fotografias”: O 25 de Abril pelos olhos do fotojornalista Corrêa dos Santos

50 anos depois da Revolução dos Cravos, Corrêa dos Santos recorda como viveu aquele dia de trabalho singular e como era ser repórter fotográfico nos tempos da ditadura.
Filipa Novais e Ana Sofia Pinto 29 de Março de 2024 às 10:20
50 anos depois da Revolução dos Cravos, Corrêa dos Santos recorda como viveu aquele dia de trabalho singular e como era ser repórter fotográfico nos tempos da ditadura.
Por Filipa Novais e Ana Sofia Pinto 29 de Março de 2024 às 10:20
Afastado da efervescência vivida nas ruas da capital no dia 25 de Abril de 1974, Corrêa dos Santos foi destacado para ir para Vila Franca de Xira, porque na redação do 'Diário Popular' constava que deveriam sair dali tropas em direção a Lisboa. Sem ver grande movimento ou revolução nas ruas, a única fotografia que lhe ficou na memória foi a de um "campónio" numa carroça puxada por um cavalo, a ser vigiado por um militar apoiado na sua espingarda, sentado na berma da estrada. "E o campónio olhava para o militar, indiferente, ignorando o que se estava a passar", refere Fernando Corrêa dos Santos.

Desiludido com a calmaria de Vila Franca de Xira, que contrastava com o ambiente vivido na capital, o repórter fotográfico decide voltar a Lisboa, onde acontecia uma revolução que iria marcar a história de Portugal e da Europa.

No caminho, encontra um carro militar parado. Tinha um furo num pneu. "Foi o único carro militar que vi na minha ida a Vila Franca. Legendei essa fotografia de: ‘Um furo no 25 de Abril’. Achei piada", conta. 
Na redação do 'Diário Popular', onde trabalhava desde 1968, estava tudo atento. "Uns a escrever, outros a telefonar, as máquinas do telex, que eram quatro ou cinco que o 'Diário Popular' tinha, sempre a vomitar páginas e páginas com notícias de Portugal e do estrangeiro", descreve Corrêa dos Santos. 

Com a redação em alvoroço, a Fernando foi dada a tarefa de fotografar a Junta de Salvação Nacional, mas "não sabia a que horas iriam aparecer, nem quem eram eles". Sabia-se apenas que iam discursar nos estúdios da RTP. 

Acabaram por chegar já de madrugada.
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O 25 de abril para Corrêa dos Santos
Corrêa dos Santos esteve horas e horas à espera da Junta de Salvação Nacional nos antigos estúdios da RTP, na Alameda das Linhas de Torres, no Lumiar, sem qualquer informação sobre quem iria fotografar e sempre preocupado, porque no centro da cidade, no coração da revolução, morava a mãe, já com os seus 80 anos.

Conta que pediu várias vezes a uma família que morava perto da RTP para que o deixasse telefonar para casa, para garantir que a mãe estava bem e segura. 

Moravam numa casa no Chiado, numa esquina entre o Quartel do Carmo, o Governo Civil de Lisboa e a PIDE. "Pensava eu que se houvesse fogo cruzado, a minha casa era logo ali no meio e a minha mãe, coitada, estava ali. Mas para espanto meu, contou-me que esteve entretida à janela a ver o movimento", revela. 
Conseguiu fotografar a Junta de Salvação Nacional, como era pretendido, mas hoje conta que gostava de ter estado no centro da cidade a tirar mais fotografias à sua maneira, "à Corrêa dos Santos", brinca. 

O fotojornalista conta que atrás da câmara gosta de fotografar o pior, a tristeza e a tragédia, e que só se apercebe da realidade quando afasta a cara da lente. Mas se agora tem liberdade para o fazer, antes do 25 de Abril de 1974 não era assim.

"Realmente havia censura", sublinha, recordando as fotografias que fez de uma partida de emigrantes que tinham vindo a Portugal na época natalícia.

"Os familiares ali em Santa Apolónia [em Lisboa] a despedirem-se deles lavados em lágrimas. E qual não foi o meu espanto quando disseram que a fotografia não podia sair porque a censura não autorizou. Fiquei um bocado surpreso e desiludido", conta.
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A censura antes e a liberdade depois do 25 de Abril
Corrêa dos Santos recorda com orgulho o dia 25 de Abril de 1974, as muitas fotos icónicas que fez durante a carreira, mas diz sempre e com convicção que, apesar de ter quase 90 anos, gostava de continuar a fotografar.

Conta que algumas das personalidades que mais gostou de retratar foram a estrela do futebol Maradona, os atores franceses Brigitte Bardot e Daniel Gélin, o cirurgião Christiaan Barnard, que realizou o primeiro transplante de coração do mundo, e Salazar a beijar a mão do Cardeal Cerejeira. Mas há uma fotografia que recorda com especial emoção: a imagem da rainha Isabel II na sua visita a Portugal, a 27 de fevereiro de 1957. "Ainda hoje não sei se ela estava a acenar para mim", conta.

Corrêa dos Santos começou a fotografar aos 13 anos e continua, ainda hoje, a passear de máquina na mão e de olho atento ao que se passa à sua volta. Gosta de captar as situações reais, o que acontece no dia a dia, as histórias que surgem à sua frente.

Mas depois de uma vida passada atrás de uma objetiva, a fotografar a realidade, confessa:  "Ainda não tirei a fotografia da minha vida".
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