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“Há pressões internas e externas para que Israel retalie com contenção”, afirma investigador

André Pereira Matos traça os caminhos dos “dois pesos e duas medidas” com que a comunidade internacional observa as posições dos regimes de Telavive e de Teerão. O que transforma a retaliação israelita numa incógnita. E a iraniana num exemplo de contenção.
15 Abril 2024, 07h30

Do ataque israelita ao consulado do Irão em Damasco, capital da Síria, resultaram sete mortos. De uma noite de retaliação do Irão sobre Israel ao longo de várias horas e com o recurso ao lançamento de centenas de drones e mísseis não resultou nenhuma morte. É difícil não se concluir que isso foi um verdadeiro statement do regime iraniano – que poderia ter agido promovendo um verdadeiro morticínio, mais próximo do que está a passar-se em Gaza, onde já morreram 33 mil palestinianos e uma mão cheia de israelitas.

Para André Pereira Matos, analista e investigador da Universidade Aberta, é fundamental que esse ponto seja realçado. Em entrevista ao JE, salienta que a comunidade internacional – que tem sobre estas matérias “dois pesos e duas medidas” – foi excessivamente contida em denunciar a ilegalidade do ataque em Damasco, a 1 de abril. Talvez o direito à defesa não sirva a todos os Estados pela mesma medida.

Agora, a grande dúvida que se coloca é perceber-se que retaliação fará Israel à retaliação iraniana. A escalada para uma guerra aberta entre os dois inimigos de sempre é ainda uma forte possibilidade. A comunidade internacional – que se multiplica em reuniões urgentes (o G7, a ONU, a União Europeia e todas as outras de que não há notícia – tenta convencer Israel a responder com equivalência de força, num quadro em que não há mortes a registar entre os seus cidadãos.

Internamente, os ultras religiosos e a extrema-direita pedem uma ação apocalítica que tenda a fazer desaparecer os persas da crosta terrestre. Mas também há, como salienta Pereira Matos, quem exija contenção – num quadro em que a comunidade internacional está a perder a paciência com o regime judeu e os Estados Unidos vacilam em manter a sua tradicional postura de apoiar antes e perguntar depois – mesmo que o ‘depois’ seja contar os mortos.

De qualquer modo, os próximos dias serão de forte tensão – que se manterá até o mundo ficar a perceber qual será a retaliação engendrada por Israel. Adiante se verá se os pedidos de contenção – que até agora e desde 7 de outubro são sistematicamente inaudíveis para o governo israelita – merecem do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu alguma atenção.

Consegue antecipar que tipo de retaliação israelita se seguirá à retaliação iraniana pelo ataque de Damasco?

Há uma grande pressão internacional para que Israel contribua para uma não escalada da tensão, até pela dupla postura do Irão: agressiva por um lado, mas por outro lado preocupou-se em manter abertos os canais políticos e diplomáticos, Fez avisos prévios ao ataque para haver deslocação de civis, avisou que tipo de ataques iriam acontecer – nomeadamente aos Estados Unidos. Há inclusivamente informação não confirmadas que tudo foi feito com o acordo dos Estados Unidos.

Houve uma decisão de contenção por parte do Irão?

O Irão não quis perder a face perante um ataque explícito ao seu território – convém não esquecer que o direito internacional diz que as representações diplomáticas são equivalentes ao território dos Estados. O Irão, não querendo perder a face – e isso é uma ironia – porque apelou às organizações internacionais desta ordem internacional liberal para que houvesse uma condenação pela violação do direito internacional por parte de Israel ao atacar a embaixada de Damasco [na Síria, a 1 de abril]. E isso não aconteceu. O Conselho de segurança das Nações Unidas não aprovou uma resolução nesse sentido. E as condenações políticas foram muito retóricas, pouco assertivas, nem sequer foram publicamente muito visíveis. O Irão, atendendo à relação tensa que tem com Israel, entendeu que devia fazer uma retaliação.

Israel costuma ouvir pouco o que lhe diz a comunidade internacional.

Atendendo a este contexto e ao facto de haver uma grande pressão internacional sobre Israel, ainda assim é possível que Israel vá retaliar – ninguém sabe como. Até porque o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu tem muitas vezes ignorado os pedidos e as exigências dos Estados Unidos. Há inclusivamente uma grande pressão do ponto de vista interno sobre Netanyahu para que não esteja a fragilizar tanto a aliança com os Estados Unidos, fundamental para Israel, nomeadamente nestes momentos mais tensos. Há até internamente algumas elites que estão a pedir para que haja contenção por parte de Israel.

Essa questão interna pode ser decisiva?

Sabemos que há muitos radicais dentro do próprio governo de Netanyahu – a começar pelo próprio e continuando por alguns ministros com importantes posições na hierarquia do governo israelita. Diria que é provável que haja alguma retaliação, ainda que ela vá ser muito mais contida que aquilo que Netanyahu desejaria – exatamente por causa da conjugação da pressão internacional e da pressão interna. E porque isso permitirá a Israel ganhar vantagem em relação à situação de Gaza.

É preciso notar que o Irão fez tudo o que podia para que não houvesse mortos, o que aparentemente conseguiu.

Exatamente. As palavras de Joe Biden foram até dizer que a retaliação do irão foi uma retaliação calibrada – os Estados Unidos e Israel foram informados atempadamente do tipo de ameaça, dos locais visados, etc.. O Irão demonstrou a maior boa-vontade possível em relação a toda esta situação.

Deixando explícito a Israel que, se quisessem, poderiam ter feito um morticínio tremendo.

Claro que sim. Sabemos que Israel tem uma grande capacidade de defesa, mas o Irão tem meios muito mais letais que aqueles que utilizou – se os usasse, isso seria uma escalada imensa, mas não o fez deliberadamente. O tipo de ataques utilizados, são ataques que Israel pode defender facilidade – tendo investido muito dinheiro, nomeadamente na chamada Cúpula de Ferro.

Diria que o Irão pretendeu explicar à comunidade internacional que “nós não somos tão maus como o Estado hebraico”?

Exatamente. Por isso é que eu dizia que tudo isto é uma ironia. É um tempo cheio de contradições. Repare: temos a Nicarágua, um Estado autocrático, a apresentar uma queixa no Tribunal Internacional de Justiça contra a Alemanha por apoiar um Estado genocida, e temos o Irão – um pária do sistema internacional, um Estado que não se identifica com esse sistema – a explicar “vocês que criaram este sistema, estas normais, estas regras, estão a viola-las e nós queremos apenas o cumprimento do direito internacional”. O Irão quer que haja pelo menos uma condenação pela utilização excessiva de força. A comunidade internacional não o fez, demonstrando mais uma vez que tem dois pesos e duas medidas.

Acha que a comunidade internacional vai desta vez fazer esse reconhecimento?

Não. Pelas reações dos líderes políticos, ainda não pararam os apoios públicos a Israel, novamente sem nenhuma menção à questão da embaixada.

No meio de toda esta crise, que papel para a Rússia?

O que se passa no Médio Oriente tem a ver com todos os países do mundo – já estamos a ver as bolsas de valores em queda, mais interrupções nas cadeias de abastecimento… Um fenómeno destes tem impacto em todos os Estados – dependendo da dimensão que vier a ter. Sabemos que a Rússia tem aliados no Médio Oriente, e depois há um impacto indireto por via de se questionar a legitimidade dos Estados Unidos. A pressão dos mercados trará vantagens para a Rússia.

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