Justiça

João Galamba: “Sei como este processo da Operação Influencer vai acabar, acabarei por ser inocentado”

João Galamba demitiu-se invocando razões familiares. O primeiro-ministro assumiu a tutela das Infraestruturas
João Galamba demitiu-se invocando razões familiares. O primeiro-ministro assumiu a tutela das Infraestruturas

“Nenhuma instituição funciona fechada sobre si mesma, mas não considero que a ida da procuradora-geral da República ao Parlamento faça qualquer sentido”, declarou João Galamba em entrevista à CNN Portugal. E sobre Pedro Nuno Santos? “Não me disse nada nos últimos meses, já fomos mais próximos”

João Galamba: “Sei como este processo da Operação Influencer vai acabar, acabarei por ser inocentado”

Miguel Prado

Jornalista

João Galamba: “Sei como este processo da Operação Influencer vai acabar, acabarei por ser inocentado”

Pedro Candeias

Editor-executivo

João Galamba, ex-ministro das Infraestruturas e antigo secretário de Estado da Energia, está convicto de que será “inocentado” na Operação Influencer. “Estou de consciência inteiramente tranquila, sei tudo o que fiz e tudo o que não fiz. Sei como este processo vai acabar. Ou com arquivamento, ou, se avançar para acusação, acabarei por ser inocentado”, declarou Galamba em entrevista à CNN Portugal.

O ex-governante também criticou o Governo de Luís Montenegro pelas declarações do primeiro-ministro sobre o uso de viaturas para uso pessoal na sequência de notícias da Operação Influencer que davam conta do alegado uso por parte de Galamba de viatura do Governo para fins pessoais. “O atual primeiro-ministro nunca exerceu funções executivas, até se podia desculpar alguma ignorância nesta matéria”, comentou Galamba.

“Todos os usos que eu fiz foram nos exatos termos da lei, e sempre em proveito das minhas funções. Não tenho pai e mãe, já faleceram, e os meus sogros vivem no Funchal. Eu ia com os meus motoristas buscar as minhas filhas à escola, levá-las a consultas no médico”, explicou. “Não violei a lei em circunstância alguma”, acrescentou.

Sobre as refeições pagas pela Start Campus, a empresa do centro de dados de Sines, declarou ser “um ato perfeitamente normal” um governante ter refeições com empresas. E lembrou que em 2020, sobre as polémicas do hidrogénio, o seu gabinete teve a iniciativa de divulgar a agenda de reuniões nesse dossiê. “Ninguém me pode acusar de falta de transparência”.

Galamba evitou ainda pronunciar-se sobre as suspeitas concretas da Operação Influencer. “Seria tentador cavalgar notícias recentes, que têm sido bastante favoráveis para mim, mas não o vou fazer. A minha defesa será feita em sede própria, no processo”, respondeu.

E, quanto à possibilidade de a procuradora-geral da República, Lucília Gago, ser ouvida no Parlamento sobre a Operação Influencer, disse discordar. “Nenhuma instituição funciona fechada sobre si mesma, mas não considero que a ida da procuradora-geral da República ao Parlamento faça qualquer sentido”, declarou.

“Não tem sido fácil para mim, a minha mulher e as minhas filhas. É uma situação de grande constrangimento. Não desejo isto a ninguém”, comentou ainda.

Pedro Nuno Santos? “Já fomos mais próximos”

“Nunca me disse nada nos últimos meses nem no dia das buscas”, disse João Galamba na entrevista à CNN Portugal a respeito do secretário-geral do Partido Socialista, Pedro Nuno Santos, de quem era próximo.

“Já fomos mais próximos”, referiu Galamba, visivelmente incomodado por não ter tido apoio de Pedro Nuno Santos após as buscas da Operação Influencer.

“Pedro Nuno Santos foi o líder eleito pelos seus militantes e é o secretário-geral do PS. A minha opinião neste momento não interessa”, acrescentou ainda Galamba.

Na entrevista, o ex-governante revelou ainda que agora se irá dedicar a consultoria internacional na área da energia.

Mas deixou reparos sobre o facto de ser arguido na Operação Influencer. “A Operação Influencer tem consequências… É muito difícil explicar lá fora o estatuto de arguido. Lá fora não existe isso: há suspeitos e acusados. Não existe arguido. Há empresas que fazem compliance e o estatuto de arguido é traduzido como acusado e isso requer explicações. Fui bem sucedido, mas é óbvio que tem consequências ser arguido”, referiu.

“Fui deputado cerca de 10 anos e tive funções executivas durante cinco anos. Tenho muito orgulho do que fiz como secretário de Estado da Energia e também do que estava a fazer nas Infraestruturas”, comentou ainda João Galamba, em jeito de balanço sobre a sua experiência política.

“Não saio triste com a política, saio um pouco desiludido. Preferia que nada disto tivesse acontecido. O que quero é que isto se resolva o mais rapidamente possível”, disse também o ex-ministro.

Galamba é arguido no processo 581/19 (aberto em 2019) e em outubro viu a sua casa ser alvo de buscas no âmbito da Operação Influencer, mas não foi detido. O ex-governante foi escutado pelas autoridades durante quatro anos, de forma intermitente. A sua defesa pediu que fosse ouvido no processo, o que em dezembro ainda não tinha acontecido (e Galamba continuou, até agora, sem ser chamado a depor).

As suspeitas do MP

Relativamente a João Galamba, o Ministério Público (MP) considerou existirem indícios da prática do crime de prevaricação, em co-autoria com o presidente da Câmara Municipal de Sines, Nuno Mascarenhas, nomeadamente por um alegado conluio com o gestor Afonso Salema e os advogados Rui Oliveira Neves e João Tiago Silveira para introduzir normas favoráveis à Start Campus no regime jurídico conhecido como “Simplex Industrial”.

Apesar de reconhecer que os contributos vindos da Start Campus já não chegaram a tempo de serem incluídos nesse diploma, o MP defende que Galamba “agiu livre e lucidamente” com Salema, Rui Oliveira Neves, Lacerda Machado e Vítor Escária “decidindo contra [o] Direito nos procedimentos administrativos e legislativos relativos à Start Campus e imprimindo maior celeridade na sua apreciação”.

O MP diz ainda que Galamba exerceu pressões junto do presidente do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, Nuno Banza, para compatibilizar o projeto da Start Campus com a zona especial de conservação (ZEC) de Sines. O MP defende que a declaração de impacto ambiental (DIA) favorável que a Start Campus veio a conseguir em agosto de 2023 para o centro de dados, sem oposição do ICNF, foi “fruto de diversas pressões”, por parte de Galamba e outros arguidos, como Vítor Escária (antigo chefe de gabinete de António Costa) e Nuno Lacasta (ex-presidente da Agência Portuguesa do Ambiente), e na sequência da influência movida por Diogo Lacerda Machado, Afonso Salema e Rui Oliveira Neves, igualmente arguidos neste processo.

Neste processo, o MP aponta também indícios do crime de recebimento indevido de vantagem pelo facto de Afonso Salema e Rui Oliveira Neves terem oferecido refeições a João Galamba, ao ex-ministro Duarte Cordeiro e a Nuno Lacasta.

O MP acusa Galamba e Lacasta de terem determinado a “diversos funcionários da APA e da AICEP” que adequassem os procedimentos envolvendo a Start Campus, “conferindo maior celeridade aos mesmos”. Segundo o MP, ambos terão violado as normas de apreciação de procedimentos administrativos e legislativos, nomeadamente a de “não decidir de forma parcial”.

O projeto da Start Campus tem desde março de 2021 o estatuto PIN (Potencial Interesse Nacional), que confere aos projetos um tratamento mais ágil e coordenado dos atos de licenciamento para investimentos de maior relevo para a economia portuguesa. São elegíveis investimentos superiores a 25 milhões de euros, que criem pelo menos 50 empregos diretos, e que cumpram outros requisitos previstos na legislação aplicável (Decreto-Lei 154/2013).

As conclusões da Relação

Num acórdão deste mês, em que anulou as medidas de coação dos arguidos Diogo Lacerda Machado e Vítor Escária, o Tribunal da Relação de Lisboa desvalorizou as suspeitas do MP. Embora em causa estivessem os recursos de Lacerda Machado e Escária, a Relação também se pronunciou sobre alegações do MP relacionadas com a atuação de Galamba. “O que nunca se vislumbra, seja em que conversa telefónica for, é alguma forma de pressão ou de ingerência inapropriada na liberdade de actuação e decisão de Nuno Banza ou de Nuno Lacasta”, refere o Tribunal da Relação.

“Há debate de ideias e opiniões divergentes, há empenho e vontade política de João Galamba em impulsionar todo o processo administrativo necessário à implementação do Data Center e do parque fotovoltaico”, acrescenta o acórdão.

O Tribunal da Relação conclui ainda, a respeito dos indícios apontados pelo MP sobre Galamba e o caso do centro de dados, que “jamais se poderá considerar sob o âmbito da previsão contida no tipo legal da prevaricação”.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: mprado@expresso.impresa.pt

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