O problema da tributação das criptomoedas e suas implicações

Ao considerar as criptomoedas como forma de pagamento, a Autoridade Tributária e Aduaneira isenta de IRS as mais-valias obtidas com a venda de moedas como a bitcoin. Quando a venda de criptomoedas constitui uma actividade empresarial ou profissional, há lugar a tributação de IRS em sede de categoria B.

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Em Portugal as criptomoedas são consideradas apenas um meio de pagamento Reuters/BRENDAN MCDERMID

O mercado dos criptoactivos implica avultadas aplicações monetárias e a ausência de regulação ou insuficiente regulação criam inúmeros problemas. A situação tem-se intensificado com a guerra na Ucrânia e torna especialmente problemática a situação dos investimentos. São diversas as notícias sobre transacções em criptoactivos que não se conseguem detectar, pelo que a troca de informações neste domínio assume especial relevância.

Entre os diversos problemas suscitados encontramos, naturalmente, a questão fiscal.

Temos sido surpreendidos com inúmeras notícias que dão conta de que Portugal é visto como um “paraíso fiscal” para transacções com criptomoedas”. As criptomoedas são igualmente designadas “payment tokens” para as diferenciar de outros criptoativos usualmente designados “utility tokens” ou “security tokens” (V. Basic taxonomy of crypto-assets, EBA-Report on crypto-assets, jan/2021). São divisas virtuais (currency tokens) com funções semelhantes às das moedas fiduciárias, designadamente, quando pretendem representar o valor monetário do próprio token e funcionam como um potencial meio de troca ou pagamento (ex. bitcoin ou etherum).

Distintamente de países como Espanha ou os EUA que tratam as moedas virtuais como propriedade e as tributam de forma similar às acções ou aos imóveis, entre nós não temos, por enquanto, um regime de tributação específico para os rendimentos provenientes de investimentos em tokens digitais (criptomoedas, NFT, etc).

Um dos casos recentes mais mediáticos entre nós foi o da “Família Bitcoin” uma família holandesa que em 2017 trocou tudo o que tinha por bitcoins e se mudou para Portugal depois de passar por 40 países.

O nosso país tem suscitado a atenção de investidores em criptomoedas sobretudo pela ausência de tributação de mais-valias neste tipo de investimento.

Subjacente a tal tratamento encontramos a constatação de que as criptomoedas não se consomem ou utilizam como bens (como o ouro) e a sua finalidade esgota-se enquanto meio com valor liberatório aceite no comércio jurídico. Cumprem a mesma função que os meios legais de pagamento (com valor liberatório) pelo que, em conformidade com o princípio da neutralidade fiscal, na sua dimensão de princípio da igualdade de tratamento, devem ser enquadrados de forma igual às operações relativas a divisas tradicionais, desde que tenham sido aceites pelas partes numa transacção como meio de pagamento alternativo aos meios com valor liberatório e não tenham uma finalidade que não seja a de servir de meio de pagamento.

Ao considerar as criptomoedas como forma de pagamento, a Autoridade Tributária e Aduaneira isenta de IRS as mais-valias obtidas com a venda de moedas como a bitcoin.

O entendimento da AT sobre a tributação de mais-valias geradas pelas criptomoedas é de 2016, continuando sem alterações. Regra geral, os rendimentos gerados pela venda ou troca de moeda virtual, quando obtidos por pessoas singulares e fora de uma actividade empresarial ou profissional, não são tributados em IRS, dado não existir no respectivo Código uma norma de incidência objectiva que permita tributá-los.

Com base no entendimento da AT, quando a venda de criptomoedas constitui uma actividade empresarial ou profissional do contribuinte há lugar a tributação de IRS em sede de categoria B.

Contudo, “em sede de Categoria G de IRS (mais-valias), a venda de criptomoedas não é actualmente tributável, considerando que não estão expressamente previstas nas operações consideradas geradoras de mais-valias, dado que as criptomoedas não são consideradas “um câmbio ou divisa aceite como meio legal de pagamento”.

Já no que respeita ao IVA a situação é distinta, dada a natureza comunitária deste imposto e a forte harmonização existente na União Europeia. Neste contexto, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça da UE e as orientações emanadas do Comité IVA, a venda de criptomoedas beneficia da mesma isenção de imposto aplicável à venda de divisas, de acordo com a jurisprudência do TJUE nesse sentido (Acórdão de 22 de Outubro de 2015, Caso David Hedqvist, Proc. C 264/14).

A OCDE e a UE têm vindo a seguir atentamente o mercado dos criptoactivos, existindo uma forte preocupação no tocante à transparência e troca de informações, bem como a uma harmonização das regras de tributação. Entre nós aguarda-se que a AT possa vir a alterar o enquadramento fiscal, mas em sede de IVA temos que respeitar as regras e o entendimento da UE.

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