Meloni vai liderar o Governo mais à direita de que Itália tem memória

Abstenção histórica, numas eleições em que era difícil acreditar em surpresas. Irmãos de Itália é o partido mais votado, Partido Democrático confirma segundo lugar e Movimento 5 Estrelas trava descida.

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Meloni prepara-se para ser a primeira mulher a liderar o Governo em Itália Reuters

Pela primeira vez em 14 anos, bastaram as sondagens à boca das urnas para os italianos saberem o nome da pessoa que o Presidente da República terá de chamar para tentar formar governo.

Mais do que isso, têm a certeza de que essa pessoa dispõe de uma maioria para governar. Giorgia Meloni, líder do partido de extrema-direita Irmãos de Itália (FdI), arrasou nas urnas e conta com o apoio certo dos restantes partidos da coligação de direita. Itália prepara-se para ter o Governo mais à direita desde a Segunda Guerra Mundial e o primeiro de sempre liderado por uma mulher.

Um dado relevante é o da abstenção, historicamente alta, num país onde a participação costuma ser elevada. De acordo com as previsões, pouco mais de 64% do total de eleitores participou nesta votação — menos dez pontos percentuais do que em 2018.

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Meloni não podia ter sonhado com um resultado melhor. Não só vence destacada, como vê os seus aliados de sempre, a Liga (extrema-direita), de Matteo Salvini, e o Força Itália (FI), de Silvio Berlusconi, obterem resultados modestos, bastante abaixo do que esperavam.

Isto dá-lhe uma enorme força política para impor as suas posições em todos os temas em que os parceiros de coligação discordam, seja o apoio incondicional à Ucrânia contra a Rússia de Vladimir Putin ou a sua determinação em tornar mais difícil o acesso das italianas ao aborto.

Desta vez, todas as sondagens pré-eleitorais acertaram. E todas as sondagens à boca das urnas as confirmam, com distâncias muito curtas entre as votações previstas para cada partido e para os dois grandes blocos, o da direita e extrema-direita, por um lado, e o do centro-esquerda, por outro.

De acordo com as projecções a partir da sondagem Opinio para a Rai, o bloco de direita vai conseguir entre 41 e 45% dos votos, muito à frente do centro-esquerda, que terá somado entre 25,5 e 29,5%. O FdI, de Meloni, terá obtido 24,6%; seguido da Liga, com 8,5% dos votos; e do FI, com 8%.

Com estes dados, esta aliança terá entre 227 e 257 lugares na Câmara dos Deputados, muito à frente do centro-esquerda, formado pelo Partido Democrático (PD) e por pequenos partidos à sua esquerda, que conseguirá uma bancada com 78 a 98 deputados. Já no Senado, a direita terá entre 111 e 131 lugares, o centro-esquerda, 33 a 53.

“Com estes números, podemos governar”, reagiu Fabio Rampelli, vice-presidente do grupo do FdI na Câmara dos Deputados, numa altura em que praticamente não havia ainda comentários aos primeiros resultados.

O partido de Meloni sabia que ia ganhar e tudo indicava que não haveria outra possibilidade de governo a emergir do voto dos italianos. Mas as palavras optimistas de Rampelli não deixam de revelar algum alívio.

No país dos resultados imprevisíveis e das maiorias difíceis de negociar e, muitas vezes, sem capacidade para manter o poder, Meloni arrisca-se a conseguir permanecer na presidência do Conselho sem grandes sobressaltos durante toda uma legislatura.

PD em segundo

Como também se esperava, o PD surgiu como segundo partido mais votado, um curto consolo depois de uma campanha lançada em enorme desvantagem, principalmente depois de Enrico Letta ter falhado algumas tentativas de entendimento com partidos centristas.

Com uma lei eleitoral que beneficia as grandes coligações, o PD sempre soube que não tinha hipóteses. Letta era o único que insistia em falar de uma recuperação, mas nem ele soava muito convencido.

De acordo com a mesma sondagem da Rai, a principal formação de centro-esquerda terá somado 19,4% dos votos, enquanto a lista Verdes Esquerda, a que se aliou, terá obtido 3,5%.

Significativa é também a votação conseguida pelo Terceiro Pólo, lista que juntou o Itália Viva, do ex-primeiro-ministro Matteo Renzi, aos centristas do Acção, liderado por Carlo Calenda, e que pode ter 7,3%.

Com um resultado considerável para um partido que começou a campanha nos 10%, o Movimento 5 Estrelas (M5S), de Giuseppe Conte, terá alcançado os 16,5%. A queda do 5 Estrelas em relação a 2018 é brutal, mas as sentenças de morte ao partido anti-sistema parecem ter sido exageradas.

Para os primeiros dias, será interessante seguir o tom com que as chancelarias europeias comentam os resultados que poucos desejavam, mas todos esperavam. Meloni, por seu turno, tentará seguramente fazer declarações apaziguadoras, garantindo que não mudará de forma drástica o que tem sido a linha da terceira maior economia da União Europeia em várias áreas relevantes para o bloco.

com António Saraiva Lima

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