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“Reformar o capitalismo passa por travar o poder do dinheiro na política”

Joseph Stiglitz, prémio Nobel da Economia, acredita que a ascensão de Donald Trump e de outros populismos é uma criação do neoliberalismo e da sensação de que o Estado não é capaz de responder às necessidades e exigências dos cidadãos.

Joel Saget/AFP via Getty Images
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Defende uma redefinição – ou reinício – do capitalismo com reformas profundas do sistema de mercado que existe atualmente e que já revelou nas últimas quatro décadas muitas falhas que também o Estado não consegue colmatar. Mas, sublinha, o capitalismo não é apenas uma reforma das regras do mercado e da regulação. Também passa pela reformulação do que é a política num contexto de maior exigência do eleitorado.

“É preciso um equilíbrio entre os mercados e o Estado.”

Tem defendido uma redefinição do capitalismo e da própria economia na forma como responde aos desafios atuais.

O paradigma dominante nos últimos 40 anos tem sido o neoliberalismo que coloca uma excessiva dependência dos mercados como veículo de resposta. E muitos dos problemas foram exacerbados pelos mercados, e eles não vão ser muito bons em resolvê-los. A falta de resiliência, os altos níveis de desigualdade. O fracasso em lidar com as alterações climáticas. Portanto, a discussão nos últimos 40 anos começou com a presunção de que os mercados eram a ferramenta-chave para resolver todos os problemas e acho que vamos ter de ter um melhor equilíbrio entre os mercados e outras instituições, particularmente o Estado.

Então é preciso ter uma redefinição do capitalismo, como o Financial Times reconheceu há quatro anos, para fazer o novo Capitalismo.

Considero que é isso mesmo e é o que tenho vindo a defender desde o meu livro de 2019, “Pessoas, Poder e Lucro”, e que continuo no meu novo livro “The Road to Freedom - Economics and the Good Society”. Ambos vão no sentido da necessidade de uma redefinição do capitalismo.

“O argumento principal para o populismo é que o Estado não conseguiu responder às exigências dos cidadãos.”

Defende que os Estados têm de fazer mais para colmatar as falhas de mercado, ter mais influência na economia. Ao mesmo tempo, há o populismo e os partidos populistas estão a ganhar muita força. Como podemos compatibilizar?

O argumento principal para o populismo é que o Estado não conseguiu responder às exigências dos cidadãos. O problema, dizem, é que existe demasiado Estado e as pessoas estão zangadas. O perigo real é que possa ir para o outro lado e as coisas possam piorar. Veja-se o caso de Donald Trump. O seu apoio vem da raiva associada aos fracassos que são já visíveis. O que estas pessoas fazem é exacerbar os problemas. Se existe muita desigualdade, não se resolve isso aprovando mais um corte de impostos para os milionários e para as empresas. Portanto, estas políticas estavam a agravar o problema. Agora uma das coisas que qualquer reforma do capitalismo tem de incluir são reformas democráticas que travam o poder do dinheiro na política. Tal passa por criar sistemas de pesos e contrapesos no conjunto da sociedade, e parte desse sistema passa por reduzir o excesso de desigualdade de riqueza e garantir que haja uma imprensa ativa, que funciona como o quarto poder, que é crítica, que informa. Portanto, é uma construção mais complexa.

Tem sido um forte defensor do imposto mínimo de 15% sobre as grandes multinacionais, mas também defende um imposto mínimo sobre rendimentos pessoais. Como poderia ser adotado esse mecanismo?

Já houve muitos progressos num acordo global, um imposto mínimo sobre as empresas multinacionais. No entanto, os 15% é um valor muito baixo e a proposta da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) tinha, na realidade, cláusulas que permitiam baixar substancialmente a taxa efetiva. Na comissão em que estive pedimos para que a taxa fosse de 25%, e até os Estados Unidos propuseram um valor mais alto, de 21%. Parece-se claro, a OCDE cedeu às empresas para que fosse aprovada uma taxa de imposto mais baixa. Estive em Washington, nas reuniões do Banco Mundial do FMI, onde se discutiu muito o imposto mínimo sobre os indivíduos ultrarricos. Teve muita repercussão, muitas pessoas ficaram interessadas nessa ideia.

E qual é o princípio desse imposto?

Este tributo assumiria a forma de um imposto sobre o rendimento que tem de ser pelo menos igual a 2% do seu património. Assim, combina riqueza e rendimento. Ou seja, se alguém tem um património de 100 mil milhões de dólares – e nós sabemos quem são essas pessoas – não podem pagar zero de imposto, quando muitos até se orgulham de não pagar nada. Com esta proposta teriam de pagar 2 mil milhões de imposto, os tais 2% sobre 100 mil milhões. Não me parece que seja muito para alguém que tem essa riqueza toda. Imaginemos que esta pessoa tira um rendimento de 10 mil milhões por ano – o que não é descabido – não é um imposto oneroso.

Mas poderíamos ter uma fuga maciça de capitais para outros países?

A questão é que tem de ser feito globalmente, e se assim for, para onde vão levar os rendimentos. Vão fugir para a Lua ou para Marte?

Mas é muito difícil juntar todos os países para fazer.

A ideia de um imposto mínimo é que realmente não precisamos de absolutamente todos os países de acordo. É basicamente pegar na ideia e no mecanismo do imposto mínimo sobre as empresas e aplicá-lo para o rendimento pessoal. Por exemplo, se uma empresas estiver a operar nos Estados Unidos, verificamos os rendimentos a nível global, aplicamos um imposto, mas essa empresas até pode deduzir o valor noutros países. Mas se quiser entrar nos Estados Unidos, tem de pagar esse imposto global. Pode dizer que muitas empresas, para não pagarem esse imposto desistem do mercado norte-americano. A verdade é que não haverá muitas empresas no mundo que queiram desistir de um mercado tão vasto como o dos EUA.

 

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