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“Só melhoro a literacia quando tiver controlo da vida financeira”, diz autora sobre finanças pessoais

Carina Meireles, a autora que mostra aos portugueses “Como sair do sufoco financeiro”, falou com o Jornal Económico sobre como a sua experiência no sector bancário a ajudou a debruçar sobre os fracos conhecimentos de finanças dos cidadãos. Com alguns truques na manga, Carina quer ajudar os portugueses a organizarem as finanças pessoais.
2 Maio 2024, 07h30

A inflação e as elevadas taxas de juro colocaram os portugueses a fazer contas sérias à vida, com muitos a viverem meses com os ‘tostões’ contados. Com o custo de vida a aumentar nos últimos tempos, Carina Meireles decidiu passar os ensinamentos que aprendeu ao longo da vida e na experiência de 20 anos da área da banca.

Carina Meireles lançou este ano “Como sair do sufoco financeiro”, um livro que serve de base para as poupanças dos portugueses e que pretende ser um companheiro ao longo do ano. A autora é ainda responsável por um blog educativo sobre finanças pessoais e tem serviços de consultoria e mentoria sobre o mesmo tema para empresas.

O que nos pode dizer sobre o seu livro “Como sair do sufoco financeiro”?

Venho da área da banca, com uma experiência de mais de 20 anos. A dada altura decidi sair e criar um projeto meu relacionado com consultoria, mentoria e formação em finanças pessoais onde trabalhamos com empresas, mas também a nível pessoal. Desde então, um dos meus objetivos era lançar um livro.

Este é um livro muito prático. Uma das características que queria era conseguir escrever no livro, porque gosto de tomar notas quando leio. O próprio livro tem exercícios práticos para as pessoas fazerem e escreverem, para não haver desculpas. Cada semana tem o seu desafio, e estes têm uma sequência lógica. Por exemplo, há partes em que lanço questões surpresas ou onde há paragens, porque as temos de ter, onde precisamos de olhar para trás e como estão a correr as coisas.

À medida que lanço desafios, coloco questões-chave para pôr as pessoas a pensar. E as respostas são para serem feitas no livro. Posso descrever o livro como sendo intemporal. Porque nas 52 semanas do ano, o objetivo é ir lendo ao longo do ano. Quando chegarmos ao fim destas 52 semanas, que fez um ano, o objetivo é as pessoas voltarem a folhear o livro e perceber como estavam e o que poderá melhorar.

Podemos dizer que é um guia e, simultaneamente, um diário?

Diria mesmo que é um jogo, por causa de todos os desafios. Por exemplo, começo pela questão do orçamento, que é por onde deve começar toda a gestão. Não adianta definir objetivos, pensar em como investir e não pensar na organização das despesas.

Então devemos começar por definir um orçamento familiar?

Exatamente. Ter consciência do que se gasta, quando se gasta e porque se gasta. Muitas vezes temos despesas, e falo de despesas desnecessárias e supérfluas. Falo de algo muito importante neste livro, que são os débitos diretos.

Ao longo do livro dou dicas para melhorar nas questões das despesas fixas, como eletricidade ou água. Mas também foco naquilo que é o banco, porque hoje temos duas coisas que pesam muito. A banca sempre pesou, mas hoje pesa muito mais. Depois da alimentação, os bancos têm um peso muito representativo. Quando digo bancos quero dizer contas à ordem, seguros, créditos…. Desmistificar cada um destes conceitos ligados à banca, como posso negociar para pagar menos…e isto é muito importante porque posso fazê-lo.

Como é que os portugueses podem e devem definir um orçamento?

Diria que o primeiro passo será categorizar as despesas: fixas, variáveis e pontuais.

No nosso serviço de consultoria temos um ficheiro de Excel muito elaborado, mas há apps disponíveis no mercado, o próprio banco permite fazer um orçamento sem custo. Se as pessoas tiverem dificuldades, basta colocarem qual a despesa e o seu valor. Neste processo, o importante é colocar efetivamente o valor gasto.

É engraçado porque já me disseram que preferiam não ter feito orçamento. Quando perguntei o porquê responderam que deitaram logo as mãos à cabeça. “Não sabia que gastava tanto dinheiro em determinadas coisas”. Mas este é precisamente o objetivo do exercício que proponho, para a pessoa tomar consciência.

Nós só tomamos consciência se visualizarmos, se colocarmos o valor visível e no fim fizermos as contas. O livro segue muito este rumo: ganhar estratégias para poupar. Posso e devo criar um orçamento onde divido as despesas que tenho ao detalhe para me organizar. No entanto, não adianta criar um orçamento hoje e depois não o acompanhar. Porquê? Se faço e no próximo mês não dou continuidade, se em algum mês verificar um desvio, não o vou conseguir identificar e não vou conseguir saber o que fazer para o colmatar.

Então aqui entra tudo para a conta.

Exato. Os cafés, lanches e almoços fora de casa, portagens, combustível. Tudo ao detalhe. No fundo, quanto maior for o detalhe, maior é o controlo do orçamento.

Com um acompanhamento mensal consigo perceber o que consigo negociar e o que devo eliminar. Por exemplo: não controlamos muitos dos débitos diretos que temos e há débitos diretos a que não damos a devida utilização. Os débitos diretos dão-nos muita informação. Precisamos de olhar para eles e ver quais as despesas supérfluas. Outro exemplo: estou a pagar uma revista, mas não tem acrescentado informação, já trouxe algo de bom, mas agora não. Neste caso, tenho de reavaliar se faz sentido continuar com essa assinatura.

Ainda outro exemplo, desta vez com o seguro automóvel. Esta é considerada uma despesa pontual, normalmente cobrada uma vez por ano. O que acontece quando olhamos para uma despesa deste género? O banco vai dizer-nos que vai ser debitado o seguro em determinado dia, então no mês anterior vou negociar com a companhia e analisar a concorrência para ver qual a melhor oferta face ao valor atual.

Os débitos diretos podem dar-nos pontos-chave que nos ajudam a definir estratégias de poupança ou mesmo a eliminar despesas que estejam a ter impacto, mas às quais não dou a devida importância.

Este último exemplo, dos seguros automóveis, têm um peso grande para os portugueses, especialmente porque há famílias que têm dois veículos.

Verdade. Nós podemos negociar os seguros todos os anos. Neste caso, basta colocarmos um alerta e ligarmos para o mediador no mês anterior ou analisamos a concorrência. Cancelamos o débito direto e fazemos seguro outra companhia.

Temos de ser nós a fazer por nós. Ninguém vai dizer para ir ao vizinho do lado porque têm melhores condições para nos oferecer [risos].

Depois da gestão do orçamento, quais outras formas dos portugueses melhorarem a sua situação financeira?

Priorizar os gastos. Só conseguimos ver isso a partir do momento em que os temos bem organizados e sabemos exatamente onde gastamos o dinheiro

Depois, evitar dívidas. Muitas vezes temos o cartão de crédito, utilizamos e não pagamos a totalidade. Falo muito nesta questão. O cartão de crédito não é um bicho de sete cabeças, nem o deve ser. Se for bem utilizador, e desde que não tenha custo, até podemos ter vantagens. Agora, não pode ser um incentivo para gastar mais.

Por isso é que é muito importante olhar para tudo o que gastamos e priorizarmos os custos.

Outra coisa que digo, especialmente quando as famílias estão a enfrentar fases mais difíceis, é para negociarem tudo com a banca. Uma pergunta que faço muito nas consultorias é ‘quem paga Comissão de Gestão de conta mensal?’ e é rara a pessoa que diz que não paga. Muito raro. Se contabilizarmos três ou quatro euros mensais e multiplicarmos por 12, ainda é algum dinheiro…

Outro exemplo é que as pessoas que têm crédito habitação com spread igual ou superior a 1%. O mercado, neste momento, está a dar spreads de 0,5%. Mais: existem empresas no mercado que fazem isto a custo zero para o cliente, só têm a preocupação de organizar e entregar a documentação.

Atualmente as coisas estão mais facilitadas. Mas também temos de tomar a iniciativa e dizer que não pode continuar. É muito importante porque podemos negociar tudo.

Muitos portugueses não têm essa noção.

O livro também pretende ajudar nesse sentido. Nas minhas formações, à semelhança do livro, também dou dicas às pessoas de como devem fazer para contra-argumentar o porquê de não fazermos de determinada maneira.

É muito importante desmistificar e dar estes conselhos, especialmente de que é possível negociar com a banca. Cada vez mais, a concorrência é enorme.

De que forma é que os portugueses podem melhorar a sua literacia financeira?

Existe cada vez mais informação sobre isto. Agora, é importante os portugueses terem a capacidade de filtrar a informação que lhes é apresentada.

O Banco de Portugal tem imensa informação sobre literacia financeira. A melhor forma que os portugueses têm de melhorar a sua literacia financeira é estarem atentos ao mercado, perceberem o que muda e tentar perceber o porquê…

Também consigo melhorar a minha literacia financeira se começar a ter controlo daquilo que é a minha vida financeira. A forma como fazemos a gestão vai condicionar a forma como olhamos para as coisas.

Há coisas que podemos fazer no dia-a-dia que melhoram a nossa vida. Quando vou dar aulas, por exemplo, levo sempre marmita porque é uma despesa que deixo de ter. Depois, pela experiência, vamos começando a ganhar noção de como podemos manusear. Isso vai ajudar-nos a melhorar e a saber cada vez mais.

Quais os principais erros que os portugueses cometem em relação às suas finanças?

Diria que é o endividamento excessivo. Às vezes as pessoas têm mais do que um crédito e deixam-se andar, e muitas vezes há possibilidades no mercado de juntar tudo num e pagar menos.

Este é, sem dúvida, um dos erros. Outro é a falta de orçamento, porque há muitas pessoas que não o fazem e não o controlam. Tal como disse anteriormente, é importante acompanhar para se acontecer algum desvio, se saber exatamente o que foi. Só a partir daqui se podem definir estratégias e voltar a recuperar.

Outro ainda é não ter salvaguarda financeira. Este tem sido cada vez mais importante, e a pandemia veio mostrar isso. Na pandemia deixámos de ter gastos de alimentação fora e combustível, mas o que aconteceu depois? E até costumo brincar com isto: abriram as portas e toca a consumir, o que acho bem porque ajuda o mercado. Mas juntou-se o dinheiro e este acabou por ser gasto quando se reabriu a economia. O que sobrou acabou por ser gasto com inflação e a subida das taxas de juro.

Portanto, um dos objetivos prioritários deve ser a criação de um fundo de emergência, que é uma salvaguarda financeira que me permite fazer face a uma despesa inesperada que me surja.

Depois, há ainda muito desconhecimento financeiro. Temos de procurar saber mais, perceber mais e ter interesse em querer saber mais.

Então há estratégias que os portugueses podem adotar de forma imediata para conseguirem gerar uma maior poupança e ter um pé-de-meia maior.

Uma das melhores formas de poupar é colocar um determinado valor do salário de parte, no mesmo dia em que se recebe. Pode ser considerada como uma despesa fixa, porque sai diretamente da conta para outro lado e não contamos com esse dinheiro.

Imaginando que se define o fundo de emergência: o valor deve estar sempre disponível. Pode ser uma poupança programada ou um depósito a prazo. Porquê? Se tenho uma inundação em casa, preciso do dinheiro disponível de forma imediata, e aí consigo transferir de uma conta para outra.

Depois, já com o fundo de emergência atualizado, e se sobrar dinheiro, posso pensar em definir outros objetivos. Posso, por exemplo, criar um plano de poupança a pensar no médio e longo prazo, sendo que aqui já se pode pensar em rentabilidade.

Existe alguma idade ideal para se começar a poupar?

Quanto mais cedo melhor. Digo várias vezes que devem ser os pais a colocar um valor de parte para as crianças, ou a guardar as prendas [monetárias] dos avós.

Aqui vou dar-lhe um exemplo pessoal. O meu filho tem nove anos e dois mealheiros: um pequenino com dinheiro imediato e outro de médio prazo. No mealheiro pequeno ele coloca as moedas que lhe vamos dando, e que ele utiliza para comprar cromos de futebol. Isto também é importante, serem as crianças a entregar o dinheiro e receber o troco, para terem a responsabilidade de como funcionam as finanças.

Já o mealheiro melhor é onde ele coloca as prendas dos avós ou o que recebe no aniversário.

É muito importante começar a poupar desde cedo. Diria que a idade mais ‘certa’ seria aos seis anos, em que podemos começar a incutir alguma responsabilidade nas crianças. A criança pode ir às compras com os pais e perceber o que são itens essenciais e o que não é, mas isso vem ser trabalhado.

A ideia de trabalhar a literacia financeira desde cedo é ajudar, depois, os jovens a terem noção do dinheiro e como o devem gerir da melhor maneira.

É um erro partir do princípio que as pessoas não poupam porque não querem?

Completamente. Diria que não poupam porque não controlam despesas, e diria que não fazem o controlo porque acham que dá muito trabalho e, desta forma, acabam por condicionar a poupança.

Isto acaba por estar tudo interligado. Também há a chamada preguiça de deixar para amanhã ou ver depois.

Uma das maiores tendências é receber IRS ou subsídio de férias e Natal e gastar tudo. Ao fazer planos, com débitos ou perceber os meses em que tenho mais despesas, consigo gerir o dinheiro de outra forma porque tenho outra preparação. Isso depois vai ter um impacto muito significativo, porque se planear com antecedência já não tenho o sufoco financeiro.

Faltam conselhos de literacia financeira que não conseguem aguentar o salário até ao fim do mês ou é má gestão do dinheiro?

Faltam conselhos financeiros e dou-lhe o exemplo da banca: fala-se o banqueirês. As pessoas têm de perceber exatamente aquilo que lhes está a ser oferecido e se lhes faz sentido. Os portugueses não devem aceitar ou negar porque não perceberam aquilo que lhes estava a ser apresentado. As pessoas têm de sair esclarecidas quando se deslocam aos bancos, para depois, com toda a informação, analisarem e tomarem uma decisão.

Qual a diferença entre o seu livro e outros de finanças pessoais?

Este é um livro onde os leitores podem escrever. É algo prático com dicas práticas. Não acho que seja uma leitura pura e simplesmente de um livro, em que fico a saber o que é uma TAEG, spread e outros conceitos.

Este é um livro onde coloco perguntas, para puxar pelo leitor a querer saber. Quero ajudar as pessoas a mudarem o midset financeiro e a colocarem-no em prática.

Como disse anteriormente, este não é um livro para se ler em dois meses. Este livro é para estar na mesa de cabeceira, para acompanhar as finanças e os objetivos que quero alcançar, para chegar ao fim do ano e ter as estratégias aplicadas nas 52 semanas propostas.

Mostrar ainda que as pessoas conseguem poupar dinheiro ao final do mês, sabem investir na sua vida financeira e conseguem ter a vida completamente organizada, ou como saberem negociar. No fundo, este livro serve para as pessoas terem consciência das suas vidas financeiras e do que querem para o futuro.

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